terça-feira, 15 de janeiro de 2008

UM MUNDO CONTRADITÓRIO

Combater a violência contra as mulheres passa por combater dois males, o culto da violência na sociedade e as desigualdades de género. Sim, pois tratamos aqui de uma questão histórica. Já vem de trás, a ideia de que a mulher é inferior ao homem, devendo por isso subjugar-se a ele. E é essa mesma ideia que temos de eliminar da mente das pessoas, sendo necessária uma mudança radical de mentalidades. Quantas mulheres não estão, hoje, à frente de cargos políticos e jurídicos de relevo? É esta a única maneira de acabar, de uma vez por todas, com a violência doméstica, que vitima a cada momento que passa, milhares de mulheres no mundo inteiro.A lei portuguesa, por sua vez, necessita também de algumas alterações e inovações que possam proporcionar às mulheres uma maior protecção em situações limite.A violência doméstica é, actualmente, um dos grandes males da humanidade e que deve ser combatido a todo o custo.Segundo Clarisse Canha, presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) nos Açores, a violência doméstica é uma situação inconcebível neste século XXI, fruto de raízes históricas profundas, nomeadamente as desigualdades de género e a cultura da violência, que ainda persiste na nossa sociedade. É um problema que tem a ver com os direitos das mulheres e com os direitos humanos e que “merece, na nossa sociedade, todo um apoio externo à própria mulher, no sentido de lhe dar suporte e instrumentos que ela necessita, em situações concretas, para ultrapassar estas situações”.Se é verdade que a violência doméstica afecta mulheres de todos os extractos sociais, é também verdade que as “amarras” que as prendem nestas situações, têm uma faceta idêntica e outra específica, consoante a sua situação sócio-económica e até cultural. “Por lei, a mulher abandonando o lar, por violência doméstica continua a ter direito à casa, mas na prática esse direito não lhe serve de nada”- salienta a presidente.Em relação ao que pode ser feito para evitar situações destas, na opinião de Clarisse Canha, “é necessário mudar muita coisa na sociedade, como a mentalidade e o estatuto da mulher, fazendo-o no caminho da paridade e da igualdade, trabalho que, organizações como a UMAR, têm vindo a fazer em termos de prevenção”. No caso da UMAR, a esta batalha tem uma perspectiva feminista de reforço da mulher, da sua valorização e da sua história, sendo também um trabalho de denúncia e de combate através do SOS Mulher que, nascido em 1997, tem como objectivos dar apoio à mulher vítima e combater as causas da violência. Parecendo este último, um objectivo audaz, e não deixa de o ser, é também o único caminho a seguir, porque “se não formos às raízes do problema dificilmente estamos a contribuir, para a sua resolução”, salientando ainda que “são as desigualdades, o estatuto da mulher que ainda está longe de ser igualitário e paritário, apesar das leis em Portugal terem evoluído muito, não consagram ainda todos os direitos, não correspondendo à igualdade na prática”. Todas estas razões e um conceito de mitos que existem, de conceitos, preconceitos e de medos envolvem esta causa profunda da violência.Por isso, esta organização leva também a cabo, um trabalho de desmistificação dos mitos existentes, sobretudo junto de jovens e de alguns adultos também. “Neste momento, estamos a concluir um projecto, iniciado no ano passado, onde se promovem acções junto de diverso tipo de grupos, com o objectivo de promover a formação e estudo, que passa pela promoção da igualdade entre o Homem e a Mulher (de género). Trata-se de um trabalho, que deve ir à origem do problema e que aposta na promoção da igualdade entre ambos os sexos, no reconhecimento dos direitos da Mulher na teoria e na prática e, no contrariar preconceitos e mitos existentes, nomeadamente fazer valer que o Homem não tem o direito de bater na Mulher (nem a Mulher no Homem). Há que fazer ver, que os conflitos não se resolvem por meio da violência, mas sim com diálogo”.Na nossa sociedade, existe uma cultura da violência e aí vamos encontrar uma causa para esta problemática. Combater a violência nas mulheres passa por combater estes dois males, o culto da violência na sociedade e as desigualdades de género.Segundo Clarisse Canha, é necessário desenvolver um plano integrado, em termos de respostas. O trabalho de organizações como a UMAR, com a existência de uma linha telefónica de apoio às mulheres, tem sido muito útil, “trabalhando a nossa organização em rede com outras instituições, como a PSP, Casas de Abrigo e de Saúde, entre outras”.Na área da igualdade, existem dois tipos de instituições, as não-governamentais e as institucionais e governamentais. Os Açores têm a Comissão Consultiva Regional para os Direitos da Mulher, criada por Decreto Legislativo Regional.Legislação deficienteEm termos de legislação, são várias as propostas de Clarisse Canha.Em primeiro lugar, a UMAR defende uma “reavaliação da lei 61/91”, no que diz respeito aos conceitos de violência e definição dos crimes a que se pode aplicar.Alem disso, “a lei em vigor deve ser revista e alargada à criação, formação e alargamento da rede de agentes especializados em violência contra as mulheres a fim de melhorar o atendimento, o registo de ocorrência e encaminhamento quer do processo criminal, quer da vítima para serviços de apoio”- enfatiza.Temos também de considerar, que a violência contra as mulheres não se restringe somente ao espaço doméstico, nomeadamente há que aperfeiçoar o tratamento a vítimas de “violação, assunto tabu na nossa sociedade e que ainda não foi devidamente tratado, mas que urge encarar de frente”.Deve ainda ser realizado um estudo para uma “futura implementação da utilização de pulseiras electrónicas nos agressores, quando existam medidas de coacção do seu afastamento da vítima e, em muitos casos, dos filhos. Esta medida de afastamento é fundamental, mas raramente é aplicada e, quando isso acontece, a sua fiscalização é muito difícil, para não dizer impossível, o que faz com que seja urgente encontrar alternativas que possibilitem a sua aplicação”- lamenta.Outra hipótese a considerar, é a elaboração de estatísticas sobre esta temática, classificando os crimes, as vítimas e o grau de parentesco dos agressores, por concelho, “à semelhança do que foi elaborado há quatro anos atrás”.A seu ver, seria também seria muito útil, um “estudo da sequência dos processos após a queixa-crime, para se poder avaliar o tipo de penas aplicadas, quer sejam efectivas ou alternativas” e para que seja possível estudar a evolução das situações e a eficácia das medidas adoptadas. Os estudos sobre a problemática da violência contra as mulheres e crianças e sobre o “homicídio conjugal” também devem ser desenvolvidos.
Raquel Moreira
Public in "Correio dos Açores", 2004.

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