A maioria de nós vai, certamente, passar o Natal em casa junto da família. Mas, infelizmente, há quem, por um motivo ou outro, o faça no Estabelecimento Prisional Regional de Ponta Delgada, longe dos amigos e de quem o viu nascer.
Flávio Costa encontra-se detido desde há cinco anos e meio. O jovem de 28 anos diz ser difícil e estranho estar preso e o mais difícil de tudo é precisamente o não poder estar com a família. Mas, este será o último Natal que terá de passar longe daqueles de quem gosta, pois a sua pena termina no dia 30 deste mês. “Uma lição de cinco anos e meio é muito pesada”, afirmou.
Avelino Carreiro está detido há treze meses e enfrenta uma pena de oito anos. Este restaurador levou a cabo uma pesquisa de dois anos, – que terminou em Agosto – onde investiga a origem das carroças nos Açores. Tema que servirá de pano de fundo para uma exposição a realizar no início do próximo ano. Avelino Carreiro deu-se ainda ao trabalho de construir cada uma das carroças que estudou, tendo também como objectivo publicar um livro com toda esta história.O próximo projecto é escrever a sua biografia, afirmando que será um livro “muito interessante”.
O Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada tem sob a sua alçada um total de cerca de 180 reclusos. Quase duzentas pessoas que vão ter um Natal diferente, longe de casa e dos familiares, apartados das suas raízes. Os erros são muitos e a verdade é que ninguém é perfeito. O que varia é o preço que cada um tem de pagar pelas falhas que comete.“Na primeira semana as lágrimas correm”.
Flávio Costa foi preso por assalto, aos 23 anos, tendo recebido uma pena de cinco anos e meio. O Natal, afirma, será igual ao dos anos anteriores. “Teremos o jantar e será celebrada uma Eucaristia para todos”, relata, lamentando ainda não poder festejar a quadra em casa junto da família.Apesar de saber que sai da prisão no dia 30 deste mês, Flávio explica ainda que “a ansiedade é tanta que conto os dias e, muitas vezes, tenho de tomar comprimidos, pois não consigo dormir”.Quanto a estar preso, conta ser difícil, principalmente o estar longe da família, mas quando esta o visita, afirma ser muito agradável, pois “convivemos um pouco”. “É muito difícil e estranho estar preso. Na primeira semana, é complicado, as lágrimas correm”- desabafa.Não há pais, nem amigos e temos de aprender a viver longe de todos”. Diz ser um mundo “completamente diferente”, avançando ainda que sente mais falta de ”estar com a família toda unida”. Isto, apesar de ter, às vezes, a possibilidade de ir a casa por uns dias através do Tribunal (“a precária”) ou da cadeia (“RAVI Regime Aberto Voltado para o Interior e o RAVÉ, Voltado para o Exterior, aplicado a quem já esteja a meio da pena”). Desde que entrou na prisão, já tirou dois cursos de Informática e recebeu agora também o certificado de Carpintaria, para aproveitar o tempo. No início, conta que se portava mal, tendo chegado mesmo a fugir. “Fiquei escondido durante dois dias e fui apanhado”.Referindo-se ao crime que cometeu, o recluso afirma que “o diabo leva as pessoas para maus caminhos. Fiz algo que nunca me tinha passado pela cabeça”. tendo depois ficado com “raiva” de si mesmo. Flávio desabafa ainda que quando foi detido, “não tinha noção do que era a vida e das responsabilidades que a mesma acarreta”, afirmando mesmo: “não olhava por mim”.O recluso acrescentou que se pudesse voltar atrás, não tinha feito nada daquilo, pois nem tinha necessidade de o fazer. “Uma lição de cinco anos e meio é muito pesada”- sublinha. A data da sua saída aproxima-se a passos largos, o que Flávio Costa define, aos 28 anos, como “um grande peso que me vai sair de cima”.Referindo-se ao mundo, afirma que “tudo mudou”, adiantando que é muito diferente das pessoas da sua idade, que não viveram esta experiência.“Consegui mudar e aprendi a dizer não”- concluiu, sem se esquecer de enviar um Bom Natal a todos.“É difícil estar longe da família”.
Avelino Carreiro, restaurador de profissão, está preso há 30 meses com uma pena de 8 anos, por posse de 23 gramas de droga. O recluso afirma ser “difícil estar longe da família”, avançando que o pior com que tem de lidar na prisão, são “os jovens que ainda estão naquela fase de revolta por terem vindo para cá e, por isso, roubam e provocam discussões”. De momento, conta estar a tirar um curso de Informática e foi, já há algum tempo, nomeado “representante do 1º Piso”, uma espécie de porta-voz dos reclusos, no caso de haver questões a resolver.Mas, o mais interessante na sua história é que levou dois anos a pesquisar sobre as primeiras carroças, nos Açores, que remontam a 1428 e que “no início não eram puxadas por animais, mas pelos próprios donos”. Referindo-se à sua experiência pessoal, conta que “aos oito anos já puxava a carroça, pois o meu pai morreu novo e eu tive de deixar de estudar e começar a trabalhar. Aliás, só fiz a quarta classe depois de adulto”.A pesquisa terminou em Agosto deste ano e será tema de uma exposição, a realizar em Janeiro. A ideia surgiu ao constatar que não haviam documentos sobre o assunto, “nem na Biblioteca Pública”. “Eu e a minha mulher - a pessoa de quem mais sinto falta cá dentro e que, duas horas antes da visita, já cá costuma estar para me ver - íamos pelas freguesias fazer perguntas sobre os vários tipos de carroças existentes”- acentua.Para além de construir ele mesmo todas as 38 carroças que investigou, Avelino Carreiro vai ainda publicar um livro, provavelmente em Fevereiro com a história de todas elas, “para que a juventude saiba como se vivia há algum tempo atrás”. Carroças estas, que serão em breve, postais.Falando em projectos, o restaurador de 60 anos pensa ainda escrever a sua biografia, pois afirma ter tido uma vida “atordoada”, o que a torna uma obra “muito interessante”.
Raquel Moreira
Public no "Correio dos Açores" em Dezembro de 2004.
Sem comentários:
Enviar um comentário