É uma pessoa simpática, divertida, bem-disposta, extrovertida, romântica, e não machista, com quem é agradável lidar. No fundo, um marialva. “O que mais aprecio nas pessoas é a alegria. Detesto a estupidez e a falta de cultura, isso é que é grave”.Saiu de Lisboa com quatro ou cinco anos, tendo vivido ainda no Funchal, na Covilhã e em Angola.. Canta o fado, mas também já foi empresário teatral. “Fiz um espectáculo chamado agora de “Casa de Fados”. É uma reprise do “Fado é Vida” com Teresa Tarouco, José e Mico da Câmara, etc”. Actualmente, vive entre Portalegre e Elvas. “Estávamos no regime salazarista e os inspectores e juízes tinham de mudar de sítio de dois em dois anos, para evitar a corrupção. O meu pai era inspector de trabalho. Estava em Évora quando o Salazar caiu da cadeira. A partir daí, ficamos lá até eu ir para a tropa. Gostei da tropa, estive em África. Sou do tempo em que ainda tínhamos um império, uma educação diferente, uma maneira diferente de ver o mundo. Portugal era uma potência, hoje em dia já não. Não sei se era melhor ou pior, era diferente”.Gonçalo da Câmara Pereira, nasceu nas Avenidas novas em Lisboa, a 15 de Maio. É pai de três filhas e avô de quatro netos.INFÂNCIAVê-se como uma pessoa muito crítica e, normalmente, recorda-se sempre das situações mais cómicas. “Lembro-me dos natais com os meus primos. Éramos trinta primos direitos, todos num quarto andar no Largo do Chiado em Lisboa”.COMO COMEÇOU A CANTAR FADO:Membro de uma família de fadistas, conta-nos que, desde que se lembra de si, que nas festas de família todos tinham de cantar o fado. “Não é geração espontânea, mas lá em casa não há festa, casamento ou baptizado em que não sejamos obrigados a cantar fado. Desde os miúdos até aos mais velhos”. Era uma maneira de conviverem, fosse no campo ou na cidade. “Tínhamos que animar os encontros de família e o fado fazia parte do elenco. Quem quisesse participar na festa tinha de cantar, ou então lavava a louça. Era preferível cantar! Éramos obrigados a cantar. Eu, os meus sete irmãos e os meus primos”. Os seus pais tiveram oito filhos, quatro dedicaram-se ao fado.Para Gonçalo da Câmara Pereira “o fado é vida, faz parte da minha vida. É uma maneira de estar, é a cultura portuguesa”. Mas, choca-o “misturar o fado com outras nuances, confundir o fado com outro tipo de música. O fado é uma cultura popular e muito forte, pois o povo é culturalmente forte. Hoje em dia, misturar o fado com música anglo-saxónica, a mim dói-me. Parece que estão a tirar um bocado da Alma ao povo português. Sou um conservador nato na questão do fado”.Esteve pela primeira vez em S. Miguel há 15 anos num congresso de médicos. Depois, em 2003 veio às festas da Universidade através da Rádio Académica. Desta vez, “vim a convite do Engenheiro Pereira Silva, para a comemoração dos 20 anos do Centro Equestre na Ribeira Grande”.Na sua opinião, actualmente “há muitas pessoas que gostam de fado. De todas as idades, principalmente a geração nova. A minha geração que apanhou pouco tempo antes e depois do 25 de Abril, tem complexos de fado”. Para este monárquico, “o fado é algo de que se gosta em miúdo, depois há uma fase em que não se gosta e à medida que envelhecemos gostamos mais. Começamos a ouvir, porque deixamos de perceber as letras anglo-saxónicas. Os sons são os da nossa terra... E começamos a gostar”.Tem três filhas e todas cantam. “Há medida que vão crescendo elas trazem namorados e amigos que também cantam para não ficarem de fora”.E continua “Mas, hoje em dia, esta nova geração não precisa tanto de dinheiro. Cantávamos já para nos tornarmos profissionais. A vida é que me obrigou a ser profissional. Senão, eu e os meus irmãos éramos amadores a cantar. Não há dinheiro que aguente estarmos a cantar de borla em todos os lados, mas tinha os meus 16 anos não havia paróquia ou festa de associações recreativas que não fossemos para angariar fundos”. Quanto à monarquia, afirma que “agora está melhor. Por exemplo, dá-me um gozo imenso vir aos Açores e ver que a bandeira é azul e branca, que é a minha. A única coisa que falta a estas lindas ilhas é ser, realmente, uma região autónoma”.É a favor da independência dos povos. “Se o nosso país fosse uma monarquia, os Arquipélagos tinham todo o direito de serem um reino autónomo”.Se pudesse mudar algo na sua vida “teria estudado em novo, coisa que nunca fiz. Teria tirado vários cursos. Embora, tenha estado um ano em veterinária, dois em Agronomia, três em História, um em Direito. Se fosse hoje tirava-os todos, porque sinto falta de um curso. Pois, estamos num país de doutores”.Para além do fado é agricultor. “Como dizia Salazar, era a maneira de empobrecer alegremente e continuamos na mesma. Por isso, canto para introduzir dinheiro na agricultura. Sou agricultor alentejano, mas é dramático ter esta profissão em Portugal - o que não significa que se desista.É como o fado, teve uma altura em que foi desprezado e está ser novamente reconvertido.Considera-se uma pessoa empreendedora e encara a vida de frente. É persistente e não desiste facilmente. “Desistir é próprio dos fracos”.A guitarra “é o único instrumento de cordas que não segue nenhuma norma. Por isso, não está na academia. É um instrumento de tal maneira popular e que transmite o estado de alma. Há escolas, mas cada um tem a sua técnica e toca-o à sua maneira. E não se pode ensinar, No fado, também acontece isto. Não se canta duas vezes da mesma maneira”.Se tivesse um dia de vida passava-o “ na grande paródia. Agora, morrer triste é que não”.HIPISMO E TAUROMAQUIADesde pequeno que está sempre perto de cavalos e assiste a touradas.“O fado tem muita ligação ao mundo do campo. Fados e touradas é comigo”. Durante uns tempos foi empresário da praça de Cascais e em Évora. E o cavalo faz parte da sua vida. “Desde miúdos que montamos a cavalo”. Hoje em dia, não tem nenhum, porque não dispõe de tempo para montá-lo todos os dias. Mas, um dia mais tarde pretende ter alguns na sua quinta. Pois, trata-se de um animal de que gosta particularmente.“Quando éramos pequenos íamos às touradas e acabei por fazer parte de um grupo de forcados amadores da Praia das Maçãs. Fazíamos aquelas corridas ali na zona”. Na sua opinião, “na altura havia muito mais ama turismo do que há hoje”.PROJECTOSGonçalo da Câmara Pereira está “a escrever um livro um bocado “sui géneris” sobre a vida do fado, touradas”. Não é exactamente uma biografia, mas sim histórias biográficas sobre os amigos e coisas que associou ao longo da vida. “Brinco um pouco com isso”. Em Janeiro/Fevereiro “edito um disco. E estou a preparar um espectáculo para o Centro Cultural de Belém, talvez para Novembro”. Mas, talvez seja adiado para o início do próximo ano. “Colocar cem pessoas em palco é um trabalho que requer muito tempo e dedicação, coisas de que não disponho actualmente”.
Public in revista "Açorianissima", 2004
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