Seminário de chá em Ponta Delgada
Saber mais sobre as origens do chá, a sua história nos Açores, a sua química, o solo e o clima que lhe são favoráveis, os seus efeitos na saúde humana e a sua presença na literatura portuguesa e alguns momentos de teatro, foram as sugestões da Confraria do Porto Formoso, que num gesto inédito e digno de nota organizou um Seminário de Chá. Evento, onde os presentes puderam ainda deliciar-se com esta iguaria de origem oriental acompanhada de vários doces e salgados, entre eles os famosos ‘scones’ como manda a tradição do ‘chá das cinco’.
Saber mais sobre as origens do chá, a sua história nos Açores, a sua química, o solo e o clima que lhe são favoráveis, os seus efeitos na saúde humana e a sua presença na literatura portuguesa e alguns momentos de teatro, foram as sugestões da Confraria do Porto Formoso, que num gesto inédito e digno de nota organizou um Seminário de Chá. Evento, onde os presentes puderam ainda deliciar-se com esta iguaria de origem oriental acompanhada de vários doces e salgados, entre eles os famosos ‘scones’ como manda a tradição do ‘chá das cinco’.
José Pacheco, responsável pela Confraria de Chá do Porto Formoso, lembra que a Camellia Sinensis surgiu há 150 milhões de anos, entre o noroeste da China e o sul da Índia, tendo o hábito de beber chá “mais de 3000 anos”, sublinha. E hoje, “o chá é a bebida mais bebida em todo o mundo”.
A “7 de Abril de 1878”, revela, chegaram a S. Miguel dois chineses para “ensinar” aos locais o cultivo do chá, o que levou a uma história de “mais de 100 anos” do chá nos Açores.
Citando um chinês, José Pacheco salienta que “apreciar o chá só é possível num ambiente de amizade, lazer e sociabilidade”.
João Madruga, investigador e docente da Universidade dos Açores, afirma que o desenvolvimento e estabilidade dos solos micaelenses encontram-se “altamente dependentes” das condições climáticas.
Eduardo Brito de Azevedo, do Centro do Clima, Meteorologia e Mudanças Globais da Universidade dos Açores, salienta não haver bebida mais “evocativa” do clima, do que o chá. O clima, por sua vez, é a razão “diferenciadora” do ambiente e recursos regionais e parte “intrínseca da nossa sociedade”.
Caracterizado por “chuvas abundantes e regulares” ao longo do ano e por um regime de ventos “vigorosos” que rondam as ilhas, acompanhando o evoluir dos padrões de circulação atmosférica à escala da bacia do Atlântico Norte, o clima da Região apresenta uma sazonalidade “medianamente” marcada, que se reflecte nos seus elementos.
“A conjugação das características climáticas das ilhas dos Açores com a diversidade de tipos de Oslo e de relevo conduzem a aptidões culturais distintas, que vão desde as culturas típicas dos climas subtropicais até culturas características dos climas temperados”- evidencia, avançando que neste quadro as características climáticas de S Miguel revelaram-se, desde meados do séc. XIX, “propícias” à cultura da planta do chá. Mesmo assim, a “diversidade” climática existente ao longo das vertentes da ilha manifesta-se sobre o “volume e qualidade” das colheitas.
Além disso, “a evolução das condições de altitude favorece” de certa forma uma “melhoria da qualidade”e a distribuição regular da precipitação conjugada, com “elevados teores da humidade do ar”, são factores benéficos à “elasticidade e delicadeza dos rebentos desta planta. Aspectos estes que no seu todo são “reconhecidos” como sinónimos de um produto de qualidade “superior".
José Baptista, membro do Departamento de Ciências Tecnológicas e Desenvolvimento da Universidade dos Açores, começa por dizer que a própria dieta mediterrânica é rica em “antioxidantes naturais”, o que reduz a incidência das patologias do foro cardiovascular. Estes antioxidantes contêm elementos, justifica, capazes de “travar” a acção dos radicais livres, “retardando” o progresso das doenças típicas das sociedades industrializadas ocidentais.
O investigador conta também ter trazido para os Açores chás de várias partes do mundo, para os comparar com o chá regional, isto de modo a “inibir a enzima do cancro”. O composto com mais “capacidade” inibitória eram os folineflóis, que se encontram no chá regional em “maior” quantidade.’
Aproveita ainda para dizer que tem sido grande o interesse em “identificar” as propriedades terapêuticas e estudar os efeitos fisiológicos do Camellia Sinensis. Daí terem desenvolvido uma metodologia para “separar e quantificar” os componentes do chá, de modo a estudar a sua “estabilidade” a diferentes temperaturas e comparar os seus teores com os dos chás de outras partes do mundo. Aliás,
“Desde os tempos mais remotos que se afirma que beber chá promove relaxamento”- enfatiza, acrescentando que a L-teanina é o aminoácido responsável por esta sensação, pois reduz o “stress mental e físico”. Elemento que o chá dois Açores apresenta em “maiores” quantidades.
João Anselmo, nutricionista, começa por revelar que o consumo de chá diário ‘per capita’ é actualmente de “120 ml”, sendo maioritariamente de chá preto (76 a 78%) na Europa, América do Norte e Norte de África, contra 20 22% para o chá verde.
O chá, enfatiza, previne a morte por doenças “coronárias, trombose, enfarto do miocárdio e reduz a tensão arterial”. Além disso, é rico em termos de saúde oral, pois tem “muito flúor e fortalece o esmalte” dentário; “inibe” o crescimento de bactérias da cárie e “diminui” os açúcares na cavidade oral.
Urbano Bettencourt, escritor e docente da Universidade dos Açores, lembra que o chá regional foi já várias vezes abordado e elogiado na literatura portuguesa, nomeadamente em obras de Eça de Queirós (1845-1900), como é o caso d’ “A ilustre casa de Ramirez”, um romance realista da terceira fase do escritor nascido na Póvoa do Varzim, que fala no chá verde. O próprio Antero de Quental deixou um documento datado de 1888, onde refere que o chá preto teria “mais venda que o preto”.
“A china fica ao lado” (1968) e “Angustia em Pequim” (1984), ambas de Maria Ondina Braga, são outros exemplos de obras que abordam o chá, tal como acontece com “Five o’clock tea” de Vitorino Nemésio, que defende o chá como um “elemento congregador de pessoas e desencadeador de rituais”.
À margem do evento, falamos com José Pacheco, responsável pela Confraria de Chá do Porto Formoso. Esta iniciativa integra-se nos objectivos da Confraria do Chá do Porto Formoso, que são a divulgação do chá nas suas vertentes “histórica, turística, gastronómica e social”- sublinha. O evento é constituído por palestras sobre os referidos temas, mas o chá irá “elevar” o espírito também através da música clássica e do teatro.
Apesar da colheita do chá nos Açores ser “sazonal”, tendo a duração de apenas “seis meses”, durante a época de produção a ilha tem condições benéficas à produção de chá e realmente produz um chá de “grande” qualidade. “O chá hoje em dia é um produto turístico”- salienta, avançando que, em 2007, a fábrica recebeu “27 mil visitantes” que tiveram a oportunidade de conhecer um pouco esta cultura agrícola, a sua “história e etnografia” e ainda saborear o produto.
A Confraria do Chá do Porto Formoso nasceu em 2006, recorda, e é composta por 26 confrades, reunindo assim os estudiosos, apreciadores e amigos do chá. “Em 2008, já tivemos a nossa terceira eternização, onde se reuniram nove confrades efectivos temos também vários confrades honorários que muito nos honram”- salienta, avançando que todos os anos, no mês de Abril, a Confraria é aberta à vinda de “novos” elementos que estejam dispostos a defender, dentro do espírito do chá, uma cultura agrícola regional e típica que merece todo esse “esforço”. Estes recebem o traje da Confraria, composto por uma capa azul-escura “inspirada” no traje regional ‘capote e capelo’ e por um chapéu de feltro azul, cujo design é “baseado no tradicional chapéu de palha” da apanhadeira de chá. A insígnia, uma fita com uma medalha cunhada com o botão e primeiras folhas do rebento do chá, o “símbolo” da colheita fina e dos chás de grande qualidade, completam o traje.
José de Almeida Mello, historiador, começa por abordar a história do chá nos Açores, explicando que esta remonta aos séculos XVIII e XIX, altura em que chegam as primeiras plantas, que servem de “peças ornamentais”. Ao surgir um “fungo” que cobre “grande parte dos laranjais” de S. Miguel, dá-se um “decréscimo brutal” desta produção, que tem de ser “substituída” por outra. É neste contexto que surge o chá, salienta, acrescentando que foram criadas no séc. XIX “diversas” plantações deste produto na costa Norte da ilha, mais precisamente na Ribeira Grande e em S. Vicente, além das Sete Cidades.
Muitas destas plantações tiveram uma grande “produtividade” em finais da segunda metade do séc. XIX e em parte do séc. XX. Hoje, lembra, a produção de chá resume-se a duas fábricas. A da Gorreana, que data do séc. XIX e é a mais “antiga”. Fundada por Maria Hermínia Gago da Câmara, esta encontra-se actualmente na posse dos seus fundadores. A Fábrica de Chá do Porto Formoso, aparece nos anos 20 e depois é “recuperada” pelos actuais proprietários.
Actualmente, o chá faz parte do “património” cultural da ilha e como tal deve ser “preservado e valorizado”, no contexto das agriculturas açorianas.
Os açorianos “não” têm o hábito de tomar o ‘chá das cinco’, esclarece, avançando que fazem mais do que isso. Os açorianos tomam chá “ao longo das suas refeições”, em todos os “quadrantes” sociais. Nas freguesias rurais da ilha, revela, bebe-se ainda “muito” chá e nas classes mais favorecidas também se faz o famoso ‘chá das cinco’, que as senhoras faziam. Existem encontros de chá e há todo um “aparato social” em torno do chá. Inclusive, a cidade já dispõe de uma Casa de Chá, sendo o chá um hábito “bem enraizado” na cultura açoriana.
João Anselmo, nutricionista, fala sobre “o chá na Saúde” e recorda que nos últimos tempos se tem assistido a uma “reabilitação” do seu consumo na alimentação. O homem bebe chá há “mais de 5000 anos” e actualmente já se percebe a importância do seu consumo “regular”. Este possui uma grande capacidade de “diminuir o risco de doenças cardiovasculares”, que constituem a primeira causa de “mortalidade” no mundo ocidental. “Só por isso, todo o esforço que seja feito para que se beba mais chá é bastante importante”- reconhece.
Na sua opinião, qualquer chá, principalmente o regional, tem componentes que promovem o “relaxamento” e actuam como tranquilizantes, ressalva, avançando estar a falar do Camellia Sinensis.
Maluquices com chá
O capítulo “O chá maluco”, do conhecido clássico da literatura inglesa “Alice no Pais das Maravilhas” de Lewis Carroll, fechou a tarde de painéis neste seminário. Trata-se de um texto que faz “brincadeiras e enigmas lógicos” próprios da cultura de Inglaterra, explica Marina Vieira, do grupo “Vamos fazer de conta”. Estiveram em palco Ana Rochate; Eugénia Cabral; Justina Silva; Margarida Almeida e; Marina Vieira.
O grupo “Vamos fazer de conta” iniciou a sua actividade em “Novembro de 1998”, relata, e apesar de ser preferencialmente dirigido ao público “infantil”, muitos adultos já se renderam à magia destas actrizes em palco.
“Os quatro músicos de Bremmen” e mais recentemente”A galinha verde”, foram outras peças levadas ao palco por este grupo, que ao longo de uma década de existência já actuou em diversas ilhas da Região.
Um chá dançante
O Seminário terminou com um espectáculo do grupo Danç’Arte intitulado “O Segredo do Chá”, ideia original de Sofia Bélchior e António Machado. Sofia Belchior, membro da referida companhia, conta que esta se encontra sedeada no teatro de S. João, em Palmela, e apresentou um ciclo relacionado com alguns ingredientes, entre eles, o chá. "Criámos este espectáculo, cuja temática tem a ver com as raízes, os rituais e a história do chá", agora pela mão da Confraria do Porto Formoso, lembra.
O convite para apresentar este espectáculo em São Miguel, constituiu, sublinha, um motivo de "orgulho" para a Companhia, pois nesta vivem pessoas que convivem e sabem "muito" sobre o chá, que faz parte do seu quotidiano.
Trata-se de um espectáculo de "dança contemporânea", mas cujo motivo e principal "motor da criação", foi efectivamente "tudo" o que gira à volta do chá.
A actriz afirma ser um espectáculo "agradável" de se ver, que inclui uma "viagem à volta do chá", onde se passa por "várias zonas" do mundo, em termos de dança e de "ambientes". No ciclo onde este "bailado abstracto" está integrado, os actores trabalharam também o "café, chocolate, açúcar, sal e especiarias", elementos que os criadores utilizaram como "motivo de criação".
"Estudamos os elementos, as suas origens, a forma como os utilizamos, os rituais que possam existir, algumas lendas e crenças"- esclarece, avançando serem elementos "muito ricos", que utilizam no seu dia-a-dia, que não conhecem e que, neste caso, representam a forma como "encontram" a dança contemporânea para a levar ao palco, para o mais "comum" dos mortais. E, alerta, "mesmo as pessoas que, muitas vezes, não estão habituadas a ver dança contemporânea, com este espectáculo conseguem chorar".
Raquel Moreira
Public in Outubro de 2008.
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