Luís Alberto Bettencourt
“Conheço pessoas a quem a música incomoda e que são incapazes de ler um livro ou de ir a um espectáculo cultural”. Esta situação, que não consegue aceitar, causa-lhe “depressão e angústia”, pois estas pessoas “não merecem ver o sol todos os dias”.
Luís Alberto Bettencourt descreve-se como um cidadão “normal que gosta de viver e que odeia e combate certas formas certas formas de vida, vocacionadas para a violência ou para a falta de diálogo. Isto, estando sempre do lado dos que não estão protegidos, pois não se identifica com as “maiorias absolutas”.
“Conheço pessoas a quem a música incomoda e que são incapazes de ler um livro ou de ir a um espectáculo cultural”. Esta situação, que não consegue aceitar, causa-lhe “depressão e angústia”, pois estas pessoas “não merecem ver o sol todos os dias”.
Luís Alberto Bettencourt descreve-se como um cidadão “normal que gosta de viver e que odeia e combate certas formas certas formas de vida, vocacionadas para a violência ou para a falta de diálogo. Isto, estando sempre do lado dos que não estão protegidos, pois não se identifica com as “maiorias absolutas”.
Segundo Mário Correia, em “Música Popular Portuguesa”, "Bettencourt, para além de introduzir um saudável e enriquecedor elemento de insularidade no panorama da música popular, reflecte uma abordagem musical e temática englobante e universalizante ".
Luís Alberto Bettencourt, compositor, cantor e ex-realizador da RTP Açores, afirma ser um “cidadão das ilhas, um ilhéu”. Nasceu e estudou em São Miguel e quando tinha cerca de 15/16 anos tornou-se “sensível” à música que ouvia na rádio vinda de fora. “Comecei com amigos do liceu a tentar organizar os primeiros grupos numa área de rock urbano e fiz parte de diversas formações musicais aqui da ilha, nomeadamente dos académicos, dos “Turma 5 mais 2” e depois com Zeca Medeiros mais a sério nos “Phoenix”- esclarece, lembrando ter feito um interregno de cerca de dois anos motivado pelo serviço militar, que obrigava os jovens a um “afastamento” do seu meio ambiente, para uma luta “injusta e que deixou algumas marcas” na sua vivência.
Enquanto esteve em África, por “incrível” que pareça, não deixou a música, pois teve “sempre a sorte e o privilégio” de estar ligado a projectos locais. “Tocava em bares, no clube de sargentos e conheci músicos africanos com quem toquei várias impressões e chegamos a tocar juntos nalgumas festas”.
“Nesse período de tempo, aproximei-me muito da raiz popular e percebi que a música que vem do povo, é muito mais rica do que aquilo que imaginamos, não só em termos de temáticas, mas nas melodias também”. Isto aconteceu, sublinha, pois teve a oportunidade de “ouvir e sentir o calor” que essa música transmite.
Na volta, o músico tentou passar esta descoberta para a música açoriana em diversos concertos, fazendo uma “fusão” de música feita nos Açores com música africana, o que considera ter sido uma “boa aposta”. Isto, embora actualmente esteja mais “vocacionado para a música dita universal”, mas, sublinha, “sem esquecer as raízes” de ser português e açoriano.
A sua carreira começou “mais a sério”, nomeadamente com o Zeca Medeiros nos “Phoenix” e depois com outros projectos mais vocacionados para a música “universal, embora sempre de raiz popular”, como com os “Construção” e o “Rimanço”.
Paralelamente, conseguiu emprego na RTP Açores, estando sempre “ligado” a programas musicais, o que o ajudou a “cultivar” o seu modo de ser. As oportunidades de gravação surgiram, principalmente com o “Rimanço” e o “Construção”, a ponto de, em 1995, formar uma banda a solo, com músicos de uma geração “mais nova” e com a qual afirma gostar “imenso” de trabalhar. “Gravei sete ou oito cd’s e algumas colectâneas” - recorda.
Diz ser “muito mais” compositor do que cantor e gostava de ter cantores que “divulgassem e cantassem” a sua música, pois gosta e sente-se mais “competente” a compor. “Dá-me muito gozo escrever uma letra, uma música e também cantar”, embora reconheça não ser um cantor por “excelência”.
Fazendo um balanço de carreira, o músico explica que esta tem sido uma brincadeira, “ultimamente é que tem sido mais a sério”, pois passou a ter mais tempo. Mas guarda “gratas” recordações do passado, tendo consciência de que algumas coisas foram “mais conseguidas do que outras”, avançando “sentir” isso nas pessoas que gostam da sua música. Luís Bettencourt aproveita para dizer ter “todos os ingredientes”, para afirmar e assumir estar “bem” com a sua consciência. O que o deixa “tranquilo e coerente” com o seu modo de vida.
“Sou um cidadão normal que gosta de viver, que odeia e combate certas formas certas formas de vida vocacionadas para a violência ou para a falta de diálogo e estou sempre do lado dos que não estão protegidos. Não me identifico com as maiorias absolutas”-enfatiza, acrescentando não ter “extravagâncias” a não ser passear com o cão. De resto, passa muito tempo a “fazer música, a tocá-la e com a família”.
Questionado sobre um concerto ou álbum de que tenha gostado mais, Luís Bettencourt lembra não dar muitos concertos, porque os “açorianos estão mais vocacionados para a música que vem de fora”, os que “não conhecem bem” a música local. “Num ano, seis ou sete concertos, já é muito bom”- confessa.
Um dos concertos de que gostou mais, lembra, foi na Maré de Agosto de 2004, “pela ambiência e pelo som produzido”. O artista sentiu que as pessoas estavam a “aderir”, o que é “muito bonito”. O músico revela “ainda” não ter editado o cd da sua vida, apesar de fazer alguns trabalhos “positivos”. O seu último álbum, “O Silêncio das Horas” é lhe muito querido, por ser mais “maduro”.
Quanto à sua participação no álbum “L’ Expedition Jules Venres”, em França, Luís Bettencourt relata ser uma história “muito engraçada”, pois “não sabia” ter duas músicas editadas em França, o que descobriu na Internet. “Gravei dois temas para a televisão sobre a baleação, que um canal francês descobriu, não sei como, e aproveitou-os para um programa de televisão francês, editando um cd”. Afirma ter sido uma “surpresa” verificar a situação na Internet, pois apenas recebeu um contacto da Sociedade de autores a dar-lhe conhecimento da situação, que o deixou “muito orgulhoso”.
Apesar de reconhecer que não lhe foi nada complicado internacionalizar a sua música, pois “nada” fez, o cantor explica ser “difícil, pois tudo funciona por lobbies” ou grupos de pressão (pessoas ou organizações, que tem como actividade influenciar, aberta ou secretamente, decisões do poder público, especialmente do poder legislativo, em favor de determinados interesses privados), que são “muito bem organizados e produzidos”. Não tem nada a ver com ser-se “bom ou mau, se a cara é bonita ou é feia”, apenas “funciona para alguns”, para outros não. O músico vai ainda mais longe ao afirmar que tem visto “aberrações editadas em grandes editoras” em Portugal e “muita música boa que não tem visibilidade”, concluindo que alguma coisa está “errada”.
No que toca ao papel das Rádios, a rádio nacional tem sido “sensível” à música portuguesa, embora numa percentagem mais “diminuta”, passando música de “grandes” editoras. Portugal tem “centenas de talentos que não têm visibilidade, porque a rádio não os passa,” sendo o panorama de “profunda injustiça”. A nível regional, salienta, passa-se “mais ou menos o mesmo com mais gravidade”, pois as rádios estão “pouco receptivas” a passar música local.
“Eu não quero ser injusto nem estou a dizer que as rádios locais não passam música de cá, mas a percentagem com que ela passa, comparada a outra, é uma gota de água no oceano”- lamenta, acrescentando que a “pouca sensibilidade” de alguns radialistas “não permite que as pessoas saibam as letras de cor” e conheçam as músicas.
“No dia em que eles passarem as bandas regionais do mesmo modo e com a mesma percentagem que passam as que vêm de fora, estou convencido que o panorama melhora muito mais e a população começa enfim a conhecer e a cantar algumas das nossas coisas. Mas para isso é preciso que as estações de rádio e de televisão as façam chegar lá fora e isso não tem acontecido”- acentua.
O “Rimanço” teve um tempo “definido” e foi muito bom, lembra, alertando para o facto de que a música popular na altura tinha uma “conotação diferente”, da que tem hoje. “Actualmente e por uma questão de ignorância está-se a atribuir o conceito de música popular, que nasce na raiz de um povo, à musica pimba, quando não o é”. A participação no festival foi uma “curiosa experiência”, na qual ficaram em segundo lugar e “honraram muito” os Açores. “Cheguei a entrar em cafés em Lisboa, a passear nas ruas e as pessoas olhavam para mim e diziam aquela música é que “devia ter ganho”, o que me deixou muito orgulhoso”.
Os “Phoenix” foram liderados por Zeca Medeiros, um músico com “ideias muito definidas e um líder muito seguro e assumido”. Sendo ambos da mesma geração, enfatiza, formaram possivelmente um dos “primeiros grupos com música original”, o que marcou uma época “muito bonita e criativa” de músicos nascidos na ilha.
O seu último álbum, composto por 10 temas e intitulado “O Silêncio das Horas”, aborda a sua “maneira de ver a vida e de analisar aspectos da sua existência” e dos outros. Explica ser um disco “coerente” com as suas ideias, pois utilizou as “versões e temáticas” que queria. “Não fui influenciado por ninguém, nem tive que obedecer a ninguém”- salienta, lembrando ser o trabalho mais recente que editou em Lisboa e, que lançou depois em “diversas” Fnac’s em Lisboa e no Porto e no El Corte Inglês. “O resultado tem sido muito cativante, muito engraçado”.
A expansão a nível nacional reconhece ter sido “difícil”, mas, graças à editora, tudo resultou. O lançamento incluiu seis concertos íntimos nas Fnac’s, onde o álbum se vendeu numa quantidade “interessante” e a edição está “próxima do fim”. O que o deixa “feliz”.
Aprecia muito nas pessoas, o “afecto que estas transmitem quando não são falsas e, a inteligência”. O que menos gosta são a “má educação, a violência e a falta de sensibilidade, nomeadamente para as Artes”. O artista aproveita também para dizer que conhece pessoas a quem “a música incomoda e que são incapazes de ler um livro ou de ir a um espectáculo cultural”, o que lhe causa “depressão e angústia”. A seu ver, essas pessoas “não merecem ver o sol todos os dias. Eu não consigo aceitar”- acentua, avançando ser um pouco como nas touradas. Diz não ter “nada contra quem gosta”, mas tem “muita dificuldade em perceber” que as pessoas se “divertem com o sangue do animal e a vê-lo sofrer. E não me digam que ele não sofre. Quando há sangue, há dor e sofrimento”. E é assim com as pessoas que “não têm sensibilidade”, pois não sabe como elas “funcionam”.
A sua visão do mundo é mais ou menos “dramática”. Luís Bettencourt afirma já não acreditar na Justiça, que pelo que tem visto é apenas uma “miragem”. Na sua opinião, já não há grandes “esperanças”. Apenas temos de nos “confortar” com a tentativa de uma vida mais “equilibrada, mais justa e mais humana” e, acima de tudo, com uma “igualdade social mais equilibrada”. Referindo-se à guerra, avança que o cenário não é muito “colorido”, logo esta vai continuar.
O que também dá lhe muito prazer é “tocar ao vivo”, confessa, acrescentando que gostaria de fazer concertos “todos os dias”, mas sabe não ser possível. Mesmo assim, o músico tem já alguns confirmados, como o Festival da Ferraria a 29 de Agosto e as Portas do Mar em Setembro. “Estou sempre a compor novos temas e a pensar em novos concertos e discos”.
Biografia
Luís Alberto Bettencourt nasceu em Ponta Delgada, onde vive actualmente. Na área da música, o cantor e compositor mantém uma actividade constante na elaboração e divulgação das novas formas estéticas, servidas quase sempre por uma atmosfera sonora próxima do acústico.
Demonstrou muito cedo a sua vocação para a composição, ao personalizar os seus trabalhos com uma temática própria e consciente, onde têm lugar as relações humanas, os conflitos sociais e as imagens poéticas, como componentes visíveis do seu universo imaginário e criativo.
A par do seu tempo juvenil e académico, frequenta temporariamente o conservatório, mas prefere depois libertar os seus conceitos como músico guitarrista de diversas bandas influenciadas pelo Rock urbano, com algumas abordagens à música popular.
Por imposição militar, vive algum tempo nas ilhas africanas dos Bijagós, onde, curiosamente, consegue penetrar num tempo repleto de profundas experiências humanas. E aproxima-se da população nativa, partilhando com esta velhos rituais étnicos, o que constitui uma fonte enriquecedora para a sua sonoridade.
De regresso aos Açores, inicia de novo um ciclo de imensa actividade com músicos da sua geração, que o leva a compor para teatro e mais tarde para televisão. Durante muito tempo ligado profissionalmente à televisão estatal como realizador, mantém também uma interessante actividade de músico, que lhe permite gravar e liderar vários projectos que marcaram definitivamente a música de produção regional.
O líder de "Construção" (onde mistura o Jazz e a musica popular) e "Rimanço", grupos com os quais grava em estúdio e actua em quase todas as ilhas do arquipélago e em algumas cidades do continente, vê o seu trabalho reconhecido no espaço nacional, através de críticas e prémios dos jornais da especialidade. O grupo “Construção” é premiado como a “Banda Revelação do Ano” (1982) pelo jornal “O Tempo” e, em 1986, o "Rimanço" obtém o segundo lugar no Festival RTP da Canção com o tema "No Vapor da Madrugada".
Muitas das suas composições mais actuais estão perpetuadas em bandas sonoras de produções televisivas, como “Xailes Negros”, “O Barco e o Sonho”, “Os Últimos Baleeiros”, “Balada do Atlântico”, “Pedras Brancas”, “Ilhas de Bruma”, “A História de um Vulcão”, “Ilha dos Amores”, entre outras; assim como em vinil e CD, sendo "O Silêncio das Horas" o seu mais recente trabalho editado.
A 19 de Abril de 2007, Luís Bettencourt é homenageado com o prémio “Carreira-Prestigio”, no Prémios Açores Música 2006, evento realizado no Coliseu Micaelense, em Ponta Delgada, no qual foram galardoados vários artistas açorianos em diversas categorias.
Da sua discografia, fazem parte várias composições que dão corpo à música contemporânea feita nas ilhas e projectadas além-mar. É o caso de "Chamateia", composta sobre um texto de António Melo e Sousa e gravada por mais de 10 formações de áreas diferenciadas, incluindo filarmónicas.
Luís Alberto Bettencourt é membro da Sociedade Portuguesa de Autores e conta com mais de 50 obras registadas, estando representado em diversas colectâneas, entre as quais "20 Melodias, 20 Poemas, 20 Pinturas do Séc. XX" numa edição da Direcção Regional da Cultura (Açores), "L’expédition Jules Vernes", produzido e editado em França, e em "Ilha dos Amores" (TVI).
O comportamento musical de Luís Bettencourt prima pela diferença, pois este agarra-se ao mundo da fantasia e à magia das palavras, algo que lhe permite dizer o que pensa, numa relação com os conteúdos que ultrapassam "a segura estabilidade do conhecido".
Da sua discografia constam “Há Qualquer Coisa” e “No Vapor da Madrugada”, ambos em 1986 e, um ano depois, “Chuva dos Meus Sentidos”. “Cruzeiro” surge em 1992, seguido de “Contemplações” (1997), “Há Qualquer Coisa (2000); “D' Azul e Negro” (2002) e “O Silêncio das Horas”, editado a 10 de Dezembro de 2007.
O Rimanço, grupo formado por Luísa Alves (voz), Brígida Ferreira (violino, voz), Paulo Andrade (cavaquinho, voz), Álvaro Melo (viola da terra, voz), Aníbal Raposo (sintetizador, voz), João Lima (flauta) e Luís Bettencourt (baixo e voz)], foi durante algum tempo, um dos exemplos mais evidentes de persistência no contexto da música popular urbana, numa terra onde o profissionalismo na actividade musical continua a ser uma distante miragem. O que conseguiu, optando por recriar temas tradicionais (o que estava muito em voga na altura), para depois encontrar e experimentar gradualmente outras vias.
Os únicos dois discos do grupo, os 45 rotações "Chuva dos Meus Sentidos" e "Vapor da Madrugada", canção que atingiu o 2º lugar no Festival da Canção e por pouco não levou os Rimanço à Eurovisão na Noruega, são apenas dois exemplos possíveis de alguns dos caminhos trilhados pelos Rimanço. Ao longo dos anos, o grupo apresentou vários formatos e sonoridades que iam da música popular portuguesa, com um bom lote de temas das ilhas, até temas originais, onde as vozes (com realce para a de Luísa Alves), fluíam lado a lado com as precursões e demais instrumentos acústicos e eléctricos.
Nas periódicas renovações do “Rimanço”, é de realçar a versatilidade, juventude e entrega do ávido aprendiz dos 'sete instrumentos', Paulo Andrade.
Raquel Moreira
Public in Terra Nostra, Agosto de 2008.
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