sexta-feira, 25 de julho de 2008

A vertente "transatlantica" dos Açores



I Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt

“As relações transatlânticas na opinião pública europeia e americana” foram o tema do I Fórum Açoriano Franklin Roosevelt, realizado em Ponta Delgada. O evento, que veio demonstrar a grande importância política e simbólica dos Açores nestas questões, focou a parceria Euro-Americana no confronto com os principais desafios globais da pobreza, alterações climáticas e segurança internacional, revelando-se o diálogo construtivo e franco entre decisores políticos e académicos um instrumento útil nas relações internacionais.


Ponta Delgada foi palco do I Fórum Franklin D. Roseevelt. A iniciativa, organizada pelo Governo Regional dos Açores e pela Fundação Luso-Americana, teve como objectivo discutir sobre temas prementes da relação transatlântica. Pela sua posição geográfica, os Açores assumem grande importância política e simbólica nessa relação. Por estes motivos o Fórum, que se prevê seja realizado de dois em dois anos, reunirá políticos e académicos de ambos os lados do atlântico à volta de um tema comum.
O fórum pretendeu servir como “porto de abrigo” a meio do atlântico para a discussão aprofundada sobre a parceria Euro-Americana no confronto com os principais desafios globais da pobreza, alterações climáticas e segurança internacional, revelando-se o diálogo construtivo e franco entre decisores políticos e académicos um instrumento útil nas relações internacionais.
O Fórum assinalou, assim, o 90.º aniversário da estadia de Roosevelt nos Açores, no âmbito da sua deslocação à Europa enquanto secretário de Estado da Marinha, em Julho de 1918.O nome do fórum serviu de homenagem ao relevante papel assumido pelo Presidente Roosevelt na política internacional do séc. XX, assim como a atenção que prestou às fascinantes questões geopolíticas suscitadas pela posição geográfica das ilhas açorianas.
Diversos inquéritos de opinião pública têm estudado este tema e, em certos campos, o fosso entre a Europa e os EUA tem aumentado nos últimos anos. Em ambos os lados do atlântico a maioria das populações acredita que a cooperação entre os EUA e a Europa é crucial no combate às ameaças globais e que esses grandes desafios não podem ser confrontados de forma isolada. Mas constata-se, também, que existe ainda um elevado nível de desconfiança mútua, algo que poderá ser mitigado pelo esforço diplomático. O evento pretendeu discutir também a próxima eleição norte-americana, nomeadamente nos seus potenciais efeitos na opinião pública. Para além do debate, o fórum procurou apresentar recomendações específicas sobre as matérias abordadas.
À margem do evento, o Terra Nostra falou com Luís Nuno Rodrigues, autor do livro “Roosevelt, a Europa e os Açores nas duas Guerras Mundiais”; João Pacheco, presidente da Casa dos Açores na Califórnia e com José Medeiros Ferreira, professor e antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros.
João Pacheco, presidente da Casa dos Açores na Califórnia, afirma que a cultura portuguesa nos Estados Unidos, está “abandonada pelo governo” português. “Desde há dois anos que não temos coordenadora de ensino. Como conselheiro das comunidades portuguesas já apresentei várias moções no Parlamento português e estamos totalmente ignorados”- acentua, avançando que em África e na Europa se passa o “contrário”, pois os professores “são colocados pelo Ministério de Educação”. Por outro lado, na América do Norte, “não temos professores nem material didáctico”.
Revela ainda ter sabido recentemente que o governo aprovou uma nova “estratégia para a promoção e divulgação da língua portuguesa”, acrescentando estar com grande “ansiedade” para saber mais pormenores. Quanto aos motivos de isto acontecer, diz não saber quais são, avançando que quando vai ao parlamento, respondem-lhe “não haver verbas”, mas “se há verbas para a Europa e para a África do Sul, porque não há para a América do Norte?- questiona-se, explicando que Portugal pensa que são um país “rico, mas, “infelizmente, a nossa comunidade também vive com dificuldades”.
Quanto ao ensino da língua portuguesa, o presidente explica estarem reduzidos ao ensino português “integrado nos liceus americanos”, o que “nem sempre” acontece. Salienta, também que com a ajuda de associações e das paróquias é lhes possível terem acesso às escolas comunitárias, que já são “mais de sessenta e que abrangem uns milhares de alunos” dos Estados Unidos. As escolas, por sua vez, são “financiadas pelos pais” e, muitas das vezes, reconhece, este apoio financeiro “não dá para pagar a directora pedagógica e os professores” e, às vezes, as instituições têm de absorver o resto da despesa. A Casa dos Açores, sublinha, tem sido apoiada pela Direcção Regional das Comunidades, ajuda que, apesar de admitir que “às vezes, não é muita”, constitui um bom apoio.
Os alunos, revela, aprendem Geografia e História de Portugal, “disciplina em que se fala muito do 25 de Abril”- enfatiza, lembrando que este ano fizeram uma “festa”, para comemorar o 35 aniversário do 25 de Abril, que contou com a presença de Carlos Matos Gomes, capitão de Abril. “Fazemos também as vindimas e lançamos muitos livros”.
João Pacheco explica terem uma escola portuguesa da Casa dos Açores, com “mais de 30 crianças dos cinco aos 12 anos, em que os pais só pagam 25 dólares por mês”. Questionado sobre o que leva as pessoas a não se naturalizarem, não tendo, assim, o direito de voto, o presidente explica que “grande parte” dos emigrantes portugueses deixaram o país, numa altura em que este estava em época de “ditadura” e, há 40 e tal anos, lembra, as pessoas “não votavam” em Portugal. Quando chegaram aos Estados Unidos acomodaram-se em trabalhos mal pagos, como fábricas e campos e “nunca” votaram. Mas ultimamente, já temos lá uma grande campanha para as pessoas se neutralizarem. Mas a Casa dos Açores, sublinha, já apoiou “mais de mil pessoas” a obter a cidadania americana, já podendo votar nos Estados Unidos.
João Pacheco aproveita também para lembrar um assunto que já discutiu com o governo americano e que gerou “grande controvérsia”. Refere-se ao facto do governo americano estar “sempre a incentivar os grupos étnicos a naturalizarem-se”, mas não ajuda as comunidades luso-americanas nesta questão. “Em Julho de 2007, o custo de naturalização aumentou 70%, estando agora nos 675 dólares e antes eram 400 dólares”, o que considera dificultar a situação, pois “só um casal já necessita de 1300 dólares” e com a crise económica que há a nível mundial, as pessoas não tem “meios financeiros” de se naturalizarem.
Quanto ao que leva a que se fale pouco na participação de Roosevelt nos Açores na 2ª Guerra Mundial, explica ser por “falta de informação e de estudos”. Por estes motivos o Fórum foi, a seu ver, uma iniciativa de “grande calibre” sobre fala de um homem de “grande valor, um grande diplomata a nível mundial”, que passou por uma grande crise durante a depressão e a guerra mundial.
Sobre as eleições nos Estados Unidos, avança que “quando a Hilary Clinton estava em campanha tinha o apoio da maioria dos emigrantes portugueses”. Como esta desistiu e não estando satisfeitos com o partido republicano, que, denuncia, “durante oito anos não nos tem apoiado em absolutamente nada”(muito pelo contrário)”, decidiram “mudar de partido”, sendo a “única” opção votar em Obama do partido democrático.
A Casa dos Açores, esclarece, uma das 11 a nível mundial, é a interlocutora do governo regional e tem como objectivo “prestar apoio à comunidade, nomeadamente em questões de cidadania e Segurança Social, promovendo também a cultura, o folclore, as festas dos Espírito Santo e as Matanças de Porco dos Açores”.
Referindo-se a projectos da Casa dos Açores, o presidente da entidade revela que em breve irão abrir uma “Escola de Informática, destinada a pessoas aposentadas”, que demonstrem interesse em aprender a navegar na Internet. Têm também um grupo de “música tradicional açoriana”, o grupo Raízes, cujos elementos são quase todos nascidos nos Estados Unidos. Outro facto curioso, é que os netos e filhos dos emigrantes mostram o “desejo de se naturalizarem portugueses”, o que, explica, “talvez seja para terem um passaporte europeu”, que depois lhes possibilita viajar com mais facilidade na Europa.
José Medeiros Ferreira começa por dizer que a imagem de Portugal, no estrangeiro e na União Europeia, é a de um país que cumpre os seus “deveres internacionais e as suas obrigações”. Salienta também o “esforço” empreendido para ter um papel “credível na zona Euro, como estado responsável”. Aspecto que, a seu ver, é fundamental, ainda mais por alturas de uma crise financeira, que considera derivar da “falta de cuidado de muitas entidades privadas financeiras”- enfatiza, acrescentando ser “bom” que os estados dêem o exemplo de “racionalização” financeira. E Portugal tem dado este exemplo e é considerado por isso, sublinha, tal como pela sua última presidência na União Europeia, é um país “credível” internacionalmente.
Neste momento, Portugal tem crédito internacional, que, alerta, “nem sempre utiliza bem”. Segundo Medeiros Ferreira, instalou-se uma “certa rotina na política externa portuguesa”. Lembra ainda ter tido a sorte de ser Ministro dos Negócios Estrangeiros no momento “fundador” da política externa portuguesa, durante o primeiro governo constitucional. Actualmente, reconhece estarmos numa situação internacional “difícil”, mas, por outro lado, explica que o país está integrado num quadro europeu e atlântico de “estabilidade”, apesar de existirem problemas. Mas, a partir da entrada de Portugal na zona Euro, “não têm havido grandes modificações na política externa portuguesa”.
Para Medeiros Ferreira, este Fórum é muito importante, pois “recoloca os Açores no mapa da discussão estratégica internacional transatlântica e pode abrir um novo espaço para o encontro de personalidades relevantes num futuro próximo”. Fazendo um balanço do encontro, avança ter sido “muito positivo”. O ex-ministro aproveita ainda para dizer que o povo açoriano deve estar “atento” a estas questões que, ressalva, dizem respeito ao seu próprio destino.
João de Vâllera, Embaixador de Portugal em Washington, que falou sobre “As Relações Transatlânticas: um olhar português a partir de Washington”, negou-se a prestar quaisquer declarações.
Roosevelt em livro
O I Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt serviu ainda de mote para o lançamento da obra “Franklin Roosevelt e os Açores nas duas guerras mundiais”. Um livro coordenado por Luís Nuno Rodrigues, que conta com textos de autores estrangeiros e portugueses.
“Franklin Roosevelt e os Açores nas duas guerras mundiais” foi o título dado ao livro, lançado em Ponta Delgada. Cerimónia que contou com a presença de Rui Vallêra, sub-director da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). Segundo Rui Vallêra, estamos perante uma obra que oferece “novas perspectivas sobre a história açoriana do séc. XX e novas interpretações sobre a evolução das relações luso-americanas”.
A passagem de Roosevelt pelos Açores e a relação pessoal que estabeleceu com as Ilhas; a importância do arquipélago nas duas Guerras Mundiais e a problemática da autonomia açoriana foram os temas abordados numa obra bilingue, coordenada por Luís Nuno Rodrigues e que reúne um conjunto de textos de 10 autores nacionais e estrangeiros, entre eles Carlos Enes; José Medeiros Ferreira; Álvaro Monjardino; Luís Andrade; António José Telo e, logicamente, do próprio autor.
Luís Nuno Rodrigues é professor auxiliar agregado no Departamento de História do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE); coordenador do Mestrado em História, Defesa e Relações Internacionais em colaboração com a Academia Militar; investigador do Centro de Estudos de Historia Contemporânea Portuguesa do mesmo instituto e do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade de Lisboa e autor de várias obras sobre história e as relações transatlânticas.

Raquel Moreira
Public in Terra Nostra, Julho de 2008.

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