Arquitectura versus natureza
Ser arquitecto é muito mais, do que pegar no lápis e fazer um desenho. Um projecto é algo moroso e exigente que no seu desenvolvimento apresenta, muitas vezes, problemas que este tem de resolver. Segundo o arquitecto Fernando Monteiro, autor dos candeeiros recentemente instalados na Ribeira Grande, quando se constrói num sítio ambientalmente e paisagísticamente “muito interessante e natural”, deve-se intervir com algum “cuidado, de modo a que a arquitectura não se sobreponha às questões naturais e ao enquadramento paisagístico”.
Ser arquitecto é muito mais, do que pegar no lápis e fazer um desenho. Um projecto é algo moroso e exigente que no seu desenvolvimento apresenta, muitas vezes, problemas que este tem de resolver. Segundo o arquitecto Fernando Monteiro, autor dos candeeiros recentemente instalados na Ribeira Grande, quando se constrói num sítio ambientalmente e paisagísticamente “muito interessante e natural”, deve-se intervir com algum “cuidado, de modo a que a arquitectura não se sobreponha às questões naturais e ao enquadramento paisagístico”.
Cada vez que olhamos para um edifício, não temos a mínima noção do trabalho que este deu a ser concebido, nem das dificuldades inerentes ao desenvolvimento do seu projecto. Ter em conta a sua ligação à natureza e o seu enquadramento na restante arquitectura do local, não são tarefas fáceis, mas a sensação de ver o projecto concluído na sua construção, é o melhor feed-back que um arquitecto pode ter.
Fernando Monteiro, arquitecto, começa por dizer que é natural de Ponta Delgada por “acidente de percurso”, pois, na realidade, reside na Ribeira Grande, desde que nasceu. “Estudei em Lisboa, onde trabalhei cerca de dois anos e meio e, quando voltei, radiquei-me de novo na Ribeira Grande”- acrescenta.
Decidiu-se pela Arquitectura, recorda, quando estava a “finalizar” o ensino secundário, pois sentiu alguma “apetência”, em enveredar pela antiga área de Artes Visuais, que englobava Arquitectura, Artes Plásticas, Design, entre outros.
Nesse conjunto de áreas, onde, inicialmente, não tinha definido a sua escolha, quando chegou ao final do secundário optou pela arquitectura, “ainda um pouco sem saber se era a melhor opção”, o que depois veio a confirmar. No fundo, diz ser uma profissão da qual gosta bastante, avançando não estar “nada” arrependido de ter enveredado por esse caminho, pois está “satisfeito”.
Questionado sobre o que é ser arquitecto nos dias de hoje, em que ‘para tudo é necessário um arquitecto’, Fernando Monteiro explica que ao longo da história sempre foram precisos arquitectos, que não são uma profissão recente. A questão é que, actualmente, por vicissitudes de uma série de “regulamentos, planos e legislação”, muitas vezes, as pessoas são ‘obrigadas’ a recorrer aos arquitectos. Falando no papel do arquitecto, esclarece ser “difícil” defini-lo, afirmando ser uma actividade que “lida com o espaço”, acima de tudo.
“Construímos e alteramos o meio ambiente, com construção ou sem ela, pois às vezes, a arquitectura pode ser encarada de forma muito mais abrangente, do que propriamente os edifícios”- acentua.
O seu gabinete de trabalho actual, lembra, abriu em Janeiro de 2007, tendo sido sócio de Luís Almeida e Sousa, também arquitecto, durante sete anos. Depois, cada um seguiu o seu caminho, o que é “normal e natural” de acontecer.
De momento, afirma ter um ateliê de gente bastante nova, “todos com menos de 35 anos”, do qual é o coordenador. “É um atelier jovem, que tem tentado trabalhar com seriedade e competência, que os nossos projectos sejam bem conseguidos e tenham um bom resultado”- salienta, explicando que o importante é que “o dono de obra, quem nos encomenda os projectos, sejam públicos ou privados, tenha a noção de que fez uma boa escolha”. Por outro lado, é também essencial tentar que os projectos sejam algo “valorizadores”, para o local em si e, para o meio envolvente em geral. O que, sublinha, aconteceu recentemente na “requalificação da praia de Santa Barbara”, na Ribeira Grande, projecto já concluído.
Explica ainda que, desde a sua inauguração tem-se falado “muito” nesse projecto, o que o “agrada bastante”, pois, reconhece ser “fundamental”, que os projectos resultem “bem e que haja uma percepção generalizada de que, no fundo estes são um contributo para o bem-estar das pessoas, para a valorização estética dos locais e para o reordenamento”, conjunto de factores, que quando atingidos são motivo de “satisfação”- acentua.
Quanto aos candeeiros instalados na Ribeira Grande, explica que este projecto surgiu de uma forma “engraçada”, dizendo que “não” estavam à espera de serem convidados. A Schréder Portugal, empresa que os convidou e posteriormente lhes encomendou o projecto, admite, sabia de antemão que tinham alguns projectos de “requalificação urbanística para a cidade da Ribeira Grande, alguns trajectos que vão ser requalificados e algumas zonas como é o caso do Areal de Santa Bárbara, onde já estão implantados os candeeiros”.
Quando o convite surgiu, Fernando Monteiro confessa ter ficado “sem saber” se eram capazes de desenhar algo adequado e que fosse um “equipamento urbano, um desenho com o qual conseguíssemos atrair a própria Schréder para levar avante este projecto”, tendo em conta tratar-se de uma multinacional, sendo um ateliê “relativamente jovem” e, sabendo que esta empresa tem arquitectos de “renome nacional e internacional”. “Concebemos o candeeiro com algumas nuances, fomos contactando com eles, enviando alguns elementos e eles foram gostando do candeeiro, que começou a tomar forma”-esclarece, salientando que este passou por um processo de “reestruturação do próprio equipamento, evolução de protótipos, construção de modelos”. O certo é que, enfatiza, “o candeeiro está implantado e, em princípio, ainda não há certezas, mas é capaz de ser comercializado e posto à venda como equipamento da Schréder para empresas e particulares, fazendo, assim, parte do catálogo”. O que no fundo lhes agrada “bastante”, pois é prova de algum “reconhecimento” pelo trabalho prestado. “O candeeiro está implantado e a funcionar bem e parece-me que tem algumas condições para ter algum sucesso”.
Referindo-se à intervenção dos arquitectos nos centros históricos, afirma que quando isso acontece em zonas mais “sensíveis”, a arquitectura pode ser motivo de “valorização” dos centros históricos, mas para isso é necessária uma pequena “retrospectiva da cidade e do povoamento”, para perceber que, durante toda a nossa história, tivemos alguém que, a determinada altura, interveio de uma forma “contemporânea” e a arquitectura pode ser encarada como tal.
Na sua opinião, quando intervimos no centro histórico, podemos contribuir para a “construção de uma nova cidade”, através de uma relação que pode ser bem conseguida, “através do que existe, do que nos chega do passado e do que propomos para o futuro”. Para construir um edifício no centro histórico, o arquitecto reconhece ser preciso ter alguns “cuidados”, como o respeito pela herança deixada, pelas “construções dos tecidos urbanos, que estão já bastante consolidados em muitos anos de história”. O que, sublinha, não quer dizer que a receita ou o modelo a desenvolver seja uma “cópia da linguagem arquitectónica”, que nos chega de estereótipos mais utilizados no passado. Avança que podemos intervir, com “algum cuidado”, mas, contrapõe também que os cuidados que os arquitectos devem ter nos centros históricos, devem tê-los também em “zonas ambientalmente protegidas”.
“Não considero que os centros históricos sejam o sítio mais difícil para intervir a nível da arquitectura. Na ilha de São Miguel, que tem enquadramentos paisagísticos muito sensíveis e bastante interessantes, às vezes intervir em zonas muito pouco construídas é muito importante e é isso que, às vezes, não se consegue, devido a diversos factores”. Isto, pois “quando se constrói num sitio muito interessante e natural ambientalmente e paisagísticamente, devemos intervir com algum cuidado, de modo a que a arquitectura não se sobreponha às questões naturais e ao enquadramento paisagístico”. Foi isso, enfatiza, que se tentou fazer um bocadinho na praia de Santa Bárbara. Embora tenha lá havido, durante muitos anos, lamenta, um “processo de degradação associado à extracção de areia e de inertes” daquela zona, tentamos recriar ali um ambiente que fosse muito integrador na paisagem. O surgimento daquelas construções com reguado de madeira é permitido ter uma apropriação do local, muito íntima com os aspectos naturais que fazem parte daquele ambiente.
Questionado sobre qual o projecto que gostaria de realizar na ilha, o arquitecto avança ser “o próximo” em que irá trabalhar, apesar de não revelar mais pormenores e de admitir não haverem “projectos ideais”. Explica, apenas, ter vários projectos interessantes, como o “restaurante da Colmeia no empreendimento Portas do Mar e mais algumas requalificações de praias, entre elas a dos Moinhos, no Porto Formoso e; a da Baia de São Lourenço, projecto que está praticamente concluído e que nos ocupou bastante,” pois, ressalva, foi um trabalho bastante “exigente”.
Fernando Monteiro aproveita ainda para dizer que um projecto é exigente, quando existe “empenho” por parte do arquitecto que o desenvolve. “Os projectos se forem encarados com responsabilidade e seriedade, tornam-se exigentes e no fundo um projecto é um conjunto de problemas que surgem e que temos de resolver”- acentua.
Quanto aos “problemas” que surgem com maior frequência, afirma que não se trata apenas de “desenhar algo, pois é um processo muito mais conceptual”. Lembra também que os projectos têm “diversos graus de dificuldade”. A seu ver, quando há uma ideia, uma concepção e começa a desenvolver um projecto, os problemas vão aparecendo e é preciso resolvê-los. Este defende que um projecto engloba todo o processo, “desde que se rabisca no papel até ao final da empreitada e da sua construção”. Processo que considera “estimulante” e, às vezes, “desgastante”, lamenta, “se as coisas não correm como planeadas”.
A duração de um projecto, acrescenta, depende muito da sua “dimensão, das suas características e dos problemas” que vão surgindo, mas o projecto que demorou mais tempo até agora e mais trabalhoso, revela, foi o da “requalificação da Baia de São Lourenço”, pois era muito extenso.
Referindo-se aos projectos que passaram pelo gabinete nos últimos tempos, menciona os que já se encontram concluídos e que estão a iniciar o processo de construção.
O importante é que a sua “materialização” resulte num produto final, que agrade e que consiga olhar com “orgulho”. Lembra ainda ter dois projectos que foram inaugurados no fim-de-semana passado, nos quais se empenhou “bastante”. Revela serem dois projectos de “carácter social”, o que lhe dá “algum gozo”. O arquitecto refere-se ao Centro Comunitário e de Juventude e ao Centro de Artes e Ofícios, “ambos concebidos no âmbito do projecto EFTA, em Rabo de Peixe, sob o slogan Velhos Guetos, Novas Centralidades”. Avança também serem dois edifícios que lhe agradam bastante, pois “um projecto quando é materializado e nos agrada, é a melhor satisfação que um arquitecto pode ter” e estes são prova disso.
Segundo Fernando Monteiro, o arquitecto é um “agente num processo de desenvolvimento de uma Região”, que envolve muita gente e cujos limites são muito “difíceis” de definir. O arquitecto aproveita a ocasião para dizer, também, que os governantes, tanto a nível governamental como autárquico, têm um papel “fundamental” na gestão do território.
Lembra ainda que tem trabalhado com a autarquia da Ribeira Grande, que na sua opinião tem apostado de modo “certeiro” na ideia de imprimir no concelho e na cidade a “valorização do espaço público e o querer projectos com qualidade ambiental”, conceito até agora “inexistente”- argumenta, destacando estes factores como “fundamentais” para que o arquitecto possa ter essa intervenção na sociedade.
“Os arquitectos não são motores de desenvolvimento económico ou social. Há, sim, um conjunto de pessoas que faz com que se possa contribuir para que isso aconteça”-sublinha.
Fernando Monteiro aproveita ainda a ocasião para deixar alguns conselhos a quem esteja a pensar em enveredar por esta profissão, dizendo que a pessoa tem de trabalhar com “gosto, seriedade e esforço”, para criar um projecto que seja um “contributo” para o desenvolvimento de uma Região, falando nos Açores em concreto. “Se os jovens arquitectos tiverem esta capacidade e esta postura, no futuro penso que teremos uma ilha ou uma Região, com projectos dignos da nossa paisagem”.
Termina, mencionando nomes de arquitectos que admira, como Manuel Aires Mateus, que foi também seu professor no quinto ano e muito o “marcou” no seu percurso académico; Pedro Maurício Borges e; Siza Vieira.
Raquel Moreira
Public in Julho de 2008.
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