A criança tem direito ao amor, à protecção, a uma família e a muitos outros pressupostos que são, mais ou menos, do conhecimento de todos. Para alguns podem parecer frases banais, mas a realidade é que existem muitas crianças que não vivem no aconchego de um lar, no calor de uma família que os faça crescer para serem adultos auto-confiantes, seguros e felizes. É o que toda a criança merece.
Ser mãe não é apenas conceber, é dar amor, carinho e atenção. É tratar do filho quando este está doente, é limpar-lhe os arranhões nos joelhos. Não se trata de uma tarefa de 9 meses, mas de uma vida.
Ser mãe não é apenas conceber, é dar amor, carinho e atenção. É tratar do filho quando este está doente, é limpar-lhe os arranhões nos joelhos. Não se trata de uma tarefa de 9 meses, mas de uma vida.
Os Açores têm várias crianças à espera de serem adoptadas, mas nem sempre é fácil. Factores como a idade, o sexo e, principalmente, a raça influenciam muito as possibilidades de cada criança ser acolhida no seio de uma nova família. Regra geral, o ideal de muitos casais é, segundo especialistas, que tenham pouca idade e que sejam de raça caucasiana.
Em termos estatísticos, segundo dados de 2006, de processos das equipas de adopção na Região Autónoma dos Açores, Ponta Delgada tinha 31 crianças em situação de adoptabilidade (que podiam ser adoptadas), seguida de Angra do Heroísmo e Horta com 3. Os candidatos seleccionados para adopção, em lista de espera, eram 22, 14 e 6 respectivamente. Quanto ao número de casos em situação de pré-adopção, nos quais a criança é entregue ao casal ou a pessoa singular, os números são de 10 em Ponta Delgada e, 5 em Angra e Horta. Havia ainda crianças a aguardar decisão do tribunal (sem sentença de adopção), 2 em Ponta Delgada, 6 em Angra e 1 na Horta. O número de crianças adoptadas na Região foi de 15: 5 em Ponta Delgada, 8 em Angra e 2 na Horta.
Cristina Almada, assistente social no Centro Social Paroquial de Nossa Senhora de Oliveira, refere antes de mais que a adopção visa fundamentalmente “proteger, acima de tudo, o interesse da criança”. Esta só será decretada quando for realmente provado ser “vantajosa para a criança”, tendo que se fundir em motivos “legítimos”, não envolvendo sacrifícios para outros filhos do adoptante e supondo que se estabelecerá entre o adoptante e o adoptando um vínculo afectivo semelhante ao da filiação. Com vista a sabermos se estas circunstâncias se verificam, a Assistente Social explica que a criança deverá ter estado ao cuidado do adoptante durante tempo suficiente para se poder avaliar adequadamente estes vínculos.
Quanto aos requisitos necessários para que uma família possa adoptar, Cristina Almada explica que, segundo a lei e no âmbito da adopção plena, qualquer casal “casado há mais de 4 anos e não separado judicialmente”, pode adoptar “se ambos tiverem mais de 25 anos”. “Podem ainda adoptar em pleno quem tiver mais de 30 anos ou, se o adoptando for filho do cônjuge do adoptante, com mais de 25 anos. É de ressalvar que a partir dos 50 anos a diferença de idades entre adoptando e adoptante não deverá ser superior aos 50 anos”- acrescenta.
O processo de adopção é muito variável, mas demora, normalmente, “mais de 1 ano” a ser concluído.
No que diz respeito às fases do processo, a assistente social explica que a família que pretende adoptar deverá fazer um pedido na Segurança Social da sua área de residência, havendo depois um período de cerca de 3 meses, no qual “os serviços avaliam o novo processo que deu entrada”. Dá-se de seguida o período de pré adopção que se concretiza em cerca de 6 meses e “só após o mesmo, se tudo estiver correndo como previsto”, o processo de adopção avançará.
Cristina Almada alerta-nos ainda para um outro factor de extrema importância. A mãe biológica demonstra vontade de dar o seu filho para adopção, mas a lei é também muito clara. Esta “não poderá dar o seu consentimento antes de decorridas 6 semanas após o parto”.
O consentimento reporta-se à adopção plena e é dado perante o juiz, que deve sempre explicar ao declarante os efeitos da sua decisão.
“De salientar que o consentimento pode ser prestado independentemente da instauração do processo de adopção. O consentimento caduca se, no prazo de 3 anos, o menor não tiver sido adoptado nem confiado mediante confiança administrativa, confiança judicial ou de promoção e protecção da confiança a pessoa ou a uma instituição com vista à sua futura adopção”-salienta.
Cristina Almada avança ainda que não há um padrão definido para um casal que pretende adoptar uma criança. Ou seja, factores como a idade, o sexo e a raça variam, normalmente, “consoante as características do próprio casal e os seus interesses”.
A assistente social alerta também para o facto de “na maioria dos casos”, (…) os casais “pretendem adoptar crianças quanto menores melhor, de raça caucasiana e de preferência saudáveis”.
Cristina Almada aproveita a ocasião e aborda o polémico caso de Esmeralda, que qualifica como “complexo e é uma história que tem todos os condimentos para um debate acesso”.
A assistente social volta a salientar que os interesses a defender, acima de tudo, são os das criança, “independentemente” da decisão final recair sobre os pais biológicos ou adoptivos. Resta saber quais as melhores condições para a criança, num processo onde “o acompanhamento pedopsiquiátrico permanente é vital”.
A idade da criança é outro factor a ter em conta, pois “uma criança de 5 anos já sabe o que se passa à sua volta, sente e ressente-se com as situações e criou vínculos afectivos com os outros”-realça, lembrando que no seu “pensamento de pequenina” esta situação deve gerar “alguma confusão” e “não se dará única e exclusivamente voz a esta criança”.
A assistente social vai ainda mais longe, ao afirmar que “seria bom se se encontrasse um ‘meio termo’ ”, pois existem “4 pais a querer cuidar desta criança.
Cristina Almada termina, defendendo a entrega de Esmeralda aos “ pais adoptivos, (…) que ao fim ao cabo, a criaram, ao mesmo tempo, nunca permitindo que ela deixasse de ter o contacto com os pais biológicos”.
Carina Inácio, psicóloga no Centro Social Paroquial de Nossa Sra. da Oliveira, Fajã de Cima, afirma que a necessidade da criança ser amada “total e incondicionalmente” é uma necessidade primária. É necessário que alguém lhe propicie um espaço de calmaria face às turbulências da sua chegada ao mundo.
“O carácter fundamental deste vínculo primário é assegurar o desenvolvimento e equilíbrio da economia psicossomática do bebé, satisfazendo não só as necessidades fisiológicas e instintivas da criança, como oferecendo acima de tudo protecção contra as ameaças do meio, suporte e o sentimento de se ser único e especial”-explica.
Regra geral, espera-se que sejam os pais biológicos a criar este vínculo. Mas lamenta e reconhece ser comum, muitos deles não desenvolverem este ‘papel’. O que, a seu ver, conduz a situações de “privação, negligência e abandono Infantil”.
Avança também estar, por vezes, perante uma realidade “atroz, igualmente comum e assustadora”, quando não há ninguém para substituir em primeira instância estes pais, deixando crianças caírem no “esquecimento e negligência”. As instituições, através da adopção (e não só), procuram dar a estas crianças o que os seus progenitores não lhes providenciaram. Muitas das crianças encontram-se temporariamente sem referenciais que substituam, convenientemente, o que perderam ou nunca tiveram. Logo, é “natural” que a partir dessa consideração se potencie a criação de “novos referenciais”.
“Ser visto, percebido, querido e valorizado é uma necessidade geral, da mesma forma que a busca pela auto-afirmação, identidade e a defesa da integridade física e moral”-esclarece, salientando ser neste sentido que surge a pertinência e “vantagem” da adopção, enquanto oportunidade.
A psicóloga acrescenta ainda não se tratar de um assunto “neutro ou pacífico”. Resta saber até que ponto a separação filial e paternal destas crianças é “benéfica e não pejorativa. Será sentido pela criança como uma perda ou um abandono?”- questiona-se.
Carina Inácio vai ainda mais longe, ao afirmar que podemos encarar um processo desta natureza, como o culminar da negligência e/ou maus-tratos, uma porta aberta para a estabilidade, um possível fomentar de sentimentos adaptados e como a “evidência duma nova presença”, facilitadora de futuras relações positivas.
“Desta forma, talvez não seja tanto a existência de uma separação e/ou consequentemente a adopção que determinará por si só a pessoa, mas antes a conjugação de todos os factores relativos a si e à sua envolvente que constroem a saúde mental”- salienta.
Para explicar de um modo mais claro qual o seu ponto de vista, Carina Inácio recorre a uma expressão de Strecht (1998), na qual “o nosso esforço para deve ser no sentido de facilitar uma interacção não patológica da criança com outro modelo de adulto: para esta «relação salutogénica» temos que emprestar um colorido e uma vivacidade como figuras reais de um Mundo real, ajudando a uma construção positiva das imagens assentes em modelos de identificação, base de (re) encontro com afectos apaziguadores e contentores do sofrimento psicológico”.
PSICOLOGA
Quanto às reacções que a criança pode ter a nível comportamental perante uma adopção, a psicóloga explica que podem ser “diferentes e diversas”, podendo ir desde a agressividade até á apatia”. Varia conforme a “idade”.
Normalmente, estas crianças vêm de famílias “enredadas”, sem papéis sociais e afectivos individualizados, com pais “frágeis, personagens incapazes de sustentar uma identificação ou uma autoridade”. Torna-se-lhes difícil, não serem o que são.
“E pedir-lhes que não sejam violentas e que não tenham aprendido estratégias de violência é pedir o impossível. Isso é um tipo de violência”- enfatiza.
A psicóloga lembra ainda a questão da violência da solidão infantil, reactiva, na qual os pequenos ficam “cada vez mais sozinhos e entregues a si próprios”. Estas crianças desenvolvem, assim, sentimentos de “estranheza em relação ao mundo e, portanto, comportamentos fortemente defensivos”.
Segundo as teorias do psicanalista Amaral Dias (2002), Carina Inácio afirma que todas as espécies têm um período sensível, e “na espécie humana esse período é a primeira infância, os 3 anos”. Daí ser fundamental intervir “o mais cedo possível na vida da criança, para que não interiorize demasiadas experiências negativas na sua vida”.
Mas convém não esquecer, que um bebé ou criança existe “desde sempre”, pois o seu mundo interior surge desde os “primórdios da gestação”.
“(…) se pensarmos que são meninos muito pequenos e inocentes, eu sublinho essa ideia, ainda que acrescente que podem não reconhecer uma flor ou o seu nome, mas dão conta da sua cor e do seu perfume”-acrescenta.
A nível futuro, em termos destas crianças querem, ou não, constituir família, a psicóloga acredita que o facto de se intervir o mais cedo possível, “possa conter o desespero, «cure as feridas da alma», fomente a esperança e crie a realização”.
Mais do que um oscilar entre discussões, o desespero e o ensaio pela atenção, Carina Inácio acredita ser possível ter uma “atenção e amor único, um sentimento de pertença e de carinho que pode erguer a esperança da criança e fomentar a vontade de lutar pela sua vida”- conclui.
Raquel Moreira
Public in Terra Nostra, Março de 2008.
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