“Promover a defesa da qualidade dos cuidados prestados à população, a garantia da regulação, o controlo do exercício profissional e; o respeito pela ética e pela deontologia profissional” são estes os desígnios da Ordem dos Enfermeiros. Falamos com a Enf. Margarida Rego Pereira, presidente do Conselho Directivo Regional, para saber um pouco mais sobre os enfermeiros nos Açores, face à questão do emprego e às mudanças eminentes dos hospitais em EPE’S, entre outros temas relevantes.
T.N.- Fale-nos um pouco de si
M.R.P.- Nasci em São Vicente Ferreira, Capelas. Sou casada e tenho 2 filhas. Apesar de nenhuma delas ter seguido a minha profissão, estão ambas ligadas à área da saúde. Costumo dizer que tiveram um exemplo de alegria e satisfação com a profissão escolhida. Uma é pediatra e a outra é dentista.
Fiz o curso de enfermagem geral em 1972, na escola de enfermagem de Ponta Delgada. Após o curso, como havia poucos enfermeiros, comecei logo a trabalhar no Hospital de Ponta Delgada, que pertencia à Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada.
Curiosamente, a enfermagem surgiu muito tarde na minha vida. A minha ideia inicial era ser professora. Sempre estudei para ser professora e nunca tive a mínima vocação para ser enfermeira. Mas já no 6º Ano do liceu, tinha eu 16 anos, comecei a pensar que talvez não fosse gostar muito de ser professora. A única matéria em que eu tinha melhores notas era Inglês em que tirava uns 14, o resto andava nos 10,11. Nunca fui boa aluna no liceu.
Então, comecei a pensar que quando acabasse o 7º Ano, como estava na área de germânicas, ia para um banco ou uma agência de viagens. Entretanto, a cunhada de uma amiga minha estava em enfermagem e, na hora do almoço, costumávamos visitá-la no hospital, quando ela estava em estágio. Foi aí que se iniciou o meu contacto com o hospital e comecei a pensar que, se calhar, enfermagem era uma profissão que eu ia gostar, principalmente pela relação que se estabelece com o outro. Sim, porque enfermagem é uma profissão de inter-relação com as pessoas. Comecei a equacionar esta hipótese, porque provavelmente era uma profissão na qual me iria sentir realizada. Hoje já estou aposentada e digo-lhe que foi a escolha certa. A quem pretenda seguir enfermagem, digo que a vertente humana é muito importante. Nem sempre se vê na prática a componente técnica com a competência relacional, mas os doentes que estão à nossa frente valorizam muito mais as competências humanas e relacionais, do que as competências técnicas e de conhecimentos. É a vertente mais importante para os cidadãos que são alvo dos nossos cuidados. Obviamente, que a parte técnica, a experiência é muito importante, mas o lado humano não fica atrás.
T.N- Como surgiu o convite para este cargo?
M.R.P.- Eu já fazia parte dos Órgãos Sociais da Ordem dos Enfermeiros, que é uma organização nacional muito pesada e envolve muita gente. A Ordem tem 5 secções regionais. Somos 38 pessoas como membros efectivos e suplentes na secção regional e eu faço parte dos Órgãos Sociais da Ordem desde o 1º mandato. Este é o 3º mandato, pois a Ordem é muito jovem. Este ano vamos comemorar os seus 10 anos de existência e as primeiras eleições foram em Junho de 1999.
No 1º mandato, que terminou em 2004, eu estava no Conselho Directivo (composto por secretário, tesoureiro e 2 vogais). Era secretária e substituía a presidente nos seus impedimentos, que, para seu azar, foram vários, por motivo de doença. No 2º mandato, eu saí do Conselho Directivo e estive no Conselho de Enfermagem. Chegou a altura de se formarem listas para as eleições. Até, porque não se pode estar no mesmo cargo mais do que 2 mandatos, como acontece com o presidente da república. A presidente do Conselho Directivo cessante contactou-me para a substituir. Entretanto, a senhora bastonária (que era a bastonária que se recandidatou) também falou comigo neste sentido. Acabei por aceitar com algum receio e preocupação pela responsabilidade que tenho, mas veremos.
T.N.- Quais as suas principais tarefas?
M.R.P.- Eu tenho a meu cargo toda a gestão do funcionamento da secção regional, as decisões, a intervenção a nível político. O Conselho de Enfermagem é o Órgão tétrico, o Conselho Directivo é o Órgão da gestão dos serviços e do funcionamento da Ordem.
T.N.- Qual a situação actual dos enfermeiros nos Açores, a nível de emprego?
M.R.P- Neste momento, ainda há enfermeiros que terminaram o curso em Julho de 2007 e que não estão empregados. De 2006, não há desempregados. No entanto, abriram vagas para os 3 hospitais e a Região não tem enfermeiros para cobrir aquelas vagas todas. Isto, porque abriram mais de 100 vagas e as escolas formam-se a cada 90 enfermeiros. Já tinham aberto 48 vagas nos centros de saúde. A Secretaria Regional abriu 35 vagas na 1ª fase, 13 na 2ª fase e agora os 3 hospitais abriram cerca de 119 vagas.
Este ano houve uma abertura de vagas em número muito superior a qualquer ano de que me lembre e é muito bom que assim seja, porque faltam ainda muitos enfermeiros nos nossos serviços de saúde, quer nos hospitais, quer nos centros de saúde. Os enfermeiros estavam desempregados, mas não era por falta de trabalho. Não se agilizava a forma de os contratualizar e essa demora teve a ver, segundo o meu ponto de vista, com o facto dos 3 hospitais terem passado a Empresas Publicas Emprealizadas (EPE), no início do ano passado.
2007 foi um ano de clarificação para as administrações dos hospitais. Como é a gestão normal, em regime de EPE? E há coisas que ainda não estão tão bem definidas. Daí, esta demora na contratação dos enfermeiros, porque, habitualmente, os enfermeiros novos entram em Outubro, Novembro, o que este ano vai ser um bocadinho mais tarde.
T.N.- Apesar desta não ser uma das competências da Ordem, pergunto-lhe como enfermeira, quais as reivindicações da classe?
M.R.P.- Pelo que sei a insatisfação tem a ver com o facto dos enfermeiros serem licenciados e não receberem como licenciados, com as carreiras que estão previstas, a passagem dos hospitais para EPE’s (onde passarão a ter contractos individuais de trabalho, em vez de pertencerem aos quadros). São várias vertentes resultantes da nova política de saúde.
T.N.- A nível da saúde, mantêm-se situações precárias, nomeadamente de grávidas que têm de ser transportadas inter-ilhas. O que pensa sobre isso?
M.R.P.- Penso que devem continuar a serem transportadas entre as ilhas. Uma maternidade para se manter aberta tem que ter um “X” de partos por ano. Os profissionais de saúde que aí trabalham têm que ter casuística para se manterem hábeis, com competências desenvolvidas, uma maternidade tem que ter um obstetra em presença física. Onde é que têm obstetras para estarem nestas ilhas 24h por dia? Tem que ter enfermeiros especialistas em serviço de materno obstétrica. Nós não temos enfermeiros em número para cobrir outra maternidade. O Hospital da Horta ainda há bem pouco tempo recebeu uma enfermeira, que veio do continente, para poder ter enfermeiros 24 horas.
Antes de anunciar estas medidas, é necessário pensar um bocadinho no que isto implica. Tem de haver médicos e enfermeiros especializados em número suficiente. Há alguns anos atrás e, se calhar, continua a ser assim em algum dos 3 hospitais da Região, não havia médicos obstetras nas 24 horas. Na altura em que as minhas filhas nasceram ainda não havia, mas, actualmente, não é isso que se preconiza, que se pressente. O facto de já termos vivido e sobrevivido de uma determinada forma, não quer dizer que vamos compactuar com a abertura de serviços sem ter garantidas as mínimas condições de segurança para os utentes daqueles serviços. Onde é que está uma neonatologia para receber um recém-nascido que nasça com problemas na ilha do Pico? Vai de barco para o Faial. Não me parece que esta (refere-se à abertura de maternidades nas ilhas em falta) seja uma boa solução.
T.N.- Quanto ao fecho dos serviços de atendimento urgente, no continente?
M.R.P.- Eu não me posso pronunciar muito sobre os serviços que fecharam, na medida em que não conheço com muita exactidão a abrangência em número de doentes que atendiam. Agora, penso que há serviços que realmente deveriam ser fechados. Se calhar até todos, mas isso não posso confirmar. Antes de se fecharem os serviços, o governo tinha que ter assegurado forma de responder às necessidades daquelas populações. Quanto a mim, foi o que falhou. É assim! O Serviço Nacional de Saúde é o grande consumidor dos nossos dinheiros. E temos que ver que mantinham serviços abertos 24 horas, para ter situações em que atendiam 2 ou 3 pessoas por noite. E muitas delas, não eram situações de urgência.
Ainda há outro pormenor, a grande percentagem de doentes que acorre aos serviços de urgência não é em situações de urgência. Vão lá, porque não lhes foram assegurados os meios necessários para dar resposta às necessidades que eles tinham, neste caso, uma consulta médica. Manter um serviço de urgência durante 24 horas sai muito caro. Têm que sem manter onde se justifique, onde haja casuística. Agora o governo fez mal, tinha que ter assegurado viaturas médicas, meios alternativos de resposta às necessidades daquelas populações. Aquelas crianças teriam morrido mesmo com as urgências abertas. Eram casos graves, como os próprios pais de uma criança disseram.
T.N.- Que projectos pretende desenvolver até 2001?
M.R.P.- Este vai ser um mandato, em que vamos ter de trabalhar a nível nacional na implementação de um novo modelo de desenvolvimento profissional, aprovado na Assembleia Geral de 2007 e que agora tem de ser operacionalizado. Trata-se de um modelo que traz algumas alterações àquilo que existia. Nomeadamente, os licenciados em enfermagem terão de fazer um ano de internato, durante o qual irão desenvolver o seu currículo profissional, sob tutela de um enfermeiro mais experiente de forma a adquirirem as competências necessárias para poderem exercer autonomamente a profissão.
Outra alteração aponta para que todos os enfermeiros façam um percurso profissional, tendo em vista a sua especialização, para que se possa oferecer aos cidadãos, em resposta às suas necessidades, que cada vez são mais complexas, cuidados cada vez mais especializados.
São estas as 2 grandes alterações que este modelo vem implementar no desenvolvimento da profissão de enfermagem. Isto proporciona à Ordem vantagens a vários níveis, na medida em que lhe permite regular efectivamente os seus desígnios. O que acontece, actualmente, é que qualquer licenciado em enfermagem chega à Ordem com o seu diploma de licenciatura e é-lhe atribuída uma cédula profissional, não tendo experiência profissional. A cédula profissional que nós todos temos hoje foi-nos passada, pois possuÍmos um diploma que nos habilita ao exercício desta enfermagem. Mas isso não significa que tenhamos competências desenvolvidas. Enquanto que, com o ano de internato, esta realidade altera-se.
Esta nova medida também traz vantagens para os novos profissionais, porque nos últimos anos tem-se verificado um grande período de tempo, que medeia entre o fim da licenciatura e o inicio da actividade profissional. Estamos nos finais de Fevereiro e temos profissionais que terminaram a licenciatura em Julho e ainda não iniciaram funções. Ora isso vai permitir aos recém-licenciados iniciarem logo uma actividade em contexto clínico de prestação de cuidados. O que lhes vai possibilitará a consolidação dos conhecimentos que adquiriram durante o curso e desenvolver as competências necessárias e, mais facilmente, depois ingressarem no mercado de trabalho.
A população terá a vantagem de saber que os enfermeiros que a atendem têm competências já desenvolvidas para o fazer e, vai permitir melhorar a qualidade dos cuidados que prestamos aos nossos cidadãos. Neste mandato vamos ter que operacionalizar este modelo, nomeadamente definir critérios para tutores, para a idoneidade dos tutores e dos espaços formativos e implementá-lo já no terreno, pelo menos a título experimental. A nossa intenção é esta e pretendemos fazê-lo ainda durante este mandato. No fim do internato é feita uma avaliação até o interno atingir as novas competências, já publicadas pela ordem, necessárias para um enfermeiro de cuidados gerais.
A nível regional, vamos dar continuidade a um projecto que iniciamos numa data anterior, que tem a ver com a implementação dos padrões de qualidade dos estudantes de enfermagem. Trata-se de um projecto elaborado em parceria com instituições da Região que quiseram aderir. Aderiram quase todas, à excepção de 2 ou 3 centros de saúde. Cada instituição nomeou um formador e vão implementar programas de melhoria contínua dos cuidados de enfermagem.
Temos ainda um projecto de Comunicação e Imagem, que dá visibilidade aos resultados dos cuidados de enfermagem. Este consta da publicação de um artigo mensal num jornal de São Miguel, da Terceira e do Faial. Dispomos também de uma newsletter que enviamos mensalmente aos enfermeiros.
Queríamos ver se conseguíamos ainda se voltávamos a ter uma participação na Rádio. A que tínhamos foi cancelada por questões de programação.
Temos também uma rede de colaboradores, porque somos um arquipélago separado por muita água. Solicitamos às instituições que nos indiquem um enfermeiro em representação de cada unidade. Conforme a extensão da instituição, os directores indicaram o número de enfermeiros que entenderam. Enfermeiros estes que se reúnem connosco 2 ou 3 vezes por ano, de modo a conversamos sobre os assuntos que estão a ser trabalhados pela Ordem, como o modelo de desenvolvimento regional, os padrões de qualidade nos cuidados de enfermagem, entre outros.
Fazemos também uma reflexão sobre as práticas com base nos padrões de qualidade, a análise do que fazem comparativamente ao que deve ser. Os enfermeiros depois vão para as suas unidades replicar estes trabalhos que foram discutidos. Também pensamos continuar a fazer visitas institucionais, porque é uma forma de chegarmos ao maior número possível de enfermeiros.
Não esquecer também a implementação do sistema de informação e saúde em todas as instituições de saúde da Região. Este sistema terá que ser compatível com o aplicativo informático da Classificação Internacional da Prática de Enfermagem (CIPE). Trata-se de uma linguagem comum a nível mundial, com vista ao registo das práticas de enfermagem, o que nos vai permitir termos indicadores sobre os nossos cuidados de enfermagem.
Raquel Moreira
Public in jornal Terra Nostra, Marços de 2008.
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